sábado, 6 de novembro de 2010

Trabalho desalienado e arquitetura livre

A produção do espaço e da arquitetura tal qual uma mercadoria qualquer tem levado à constituição de um espaço urbano e um cenário arquitetônico altamente excludente. A divisão urbana do trabalho segrega o território beneficiando somente os espaços atraentes ao capital imobiliário. O arquiteto, alienado do processo de produção e utilização da arquitetura, materializa essa segregação através de suas obras de impacto, ou melhor, seus desenhos de impacto, uma vez que apesar de receber os louros da obra, não participa efetivamente do processo de produção. O projeto arquitetônico se fortifica enquanto ordem se serviço aos trabalhadores da construção, que por sua vez, estão totalmente alienados do processo de criação.





“Se o orguiôso podesse
Com seu rancô desmedido,
Tarvez até já tivesse
Este vento repartido,
Ficando com a viração
Dando ao pobre o furacão;
Pois sei que ele tem vontade
E acha mesmo que percisa
Gozá de frescô da brisa,
Dando ao pobre a tempestade.”
_Patativa do Assaré_




A problemática

(...) Desde a pré-história, a arquitetura está presente com os edifícios, enquanto outras formas de arte surgiram e desapareceram. Assim, segundo Walter Benjamin, a história da arquitetura – iniciada com a arquitetura do abrigo e fundamentada na necessidade e na oferta da natureza – seria a mais extensa dentre as histórias das demais obras de arte.
     Contudo, além de extensa, a história da arquitetura é repleta de antagonismos. Comecemos pela diferenciação entre origens da arquitetura e do arquiteto. Ou melhor, pelas suas definições.
     A origem do arquiteto, tal como conhecemos hoje, remete a um elemento importante: o projeto arquitetônico. O desenho (projeto) é uma separação entre a representação e realidade. Este atua como uma abstração, aumentando a capacidade imaginativa do artista que não se prende mais às possibilidades da realidade.
     É nesse contexto de “separação” que o desenho penetra nas relações de produção, uma vez que a atividade de abstração não mais se conjuga com a de produção. Desenvolve-se assim uma cisão entre trabalho intelectual e trabalho material; o primeiro, responsável pela concepção baseada na “contribuição inteligente”, e o segundo responsável pela execução, atuando como um mero instrumento dentro de uma relação mecânica.
     Eis a grande contradição da arquitetura, ou melhor, do projeto arquitetônico. Uma divisão do trabalho que opõe aquele que concebe àquele que executa. Uma divisão sem a qual o trabalho do arquiteto não existiria, pois não existe arquitetura real sem manipulação da matéria; divisão que pressupõe a existência de um instrumento, ou melhor, de um homem fetichizado ao qual recai a função de executar a arquitetura tal como ela foi predeterminada.








“Subiu a construção como 
se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro 
paredes sólidas
Tijolo com tijolo num 
desenho mágico
Seus olhos embotados de 
cimento e lágrima”
_Chico Buarque_



     As Escapatórias

     Diante das relações de produção capitalistas aplicadas ao espaço urbano, as respostas aos problemas sociais, calcados na segregação e exclusão da maioria da população, não residem, de fato, nos planos e planejadores urbanos. Estas se enquadram na escala do modelo político-econômico dominante.
     Assim, apesar de ser possível alcançar mudanças a partir da administração do capitalismo, tais mudanças não mudarão a essência dos problemas que são de ordem estrutural.
     Porém, apesar da necessidade da atuação política dos indivíduos para que ocorra uma mudança na forma de organização da sociedade, para que esta seja autônoma, livre da exploração e da opressão, esse texto objetiva vislumbrar uma diferente inserção profissional no sentido de minimizar os impactos da dominação capitalista sob o espaço e sob a arquitetura.
     Assim, as experiências de desalienação da atuação profissional do arquiteto e urbanista são defendidas aqui não como uma escapatória aos problemas estruturais que o capitalismo impõe à sociedade, mas como disseminadoras de questionamentos que promovem, mesmo que de forma limitada, a alteração da consciência reflexiva que temos de nossas próprias práticas.
     Eis a conclusão. Lançar as bases para um novo arquiteto, consciente das relações de produção opressoras atualmente estabelecidas, comprometido com a emancipação profissional irrestrita à lógica capitalista de produção, comprometido com uma criação integrada que agregue projeto, construção uso e gestão, articulados horizontalmente sem relações hierárquicas de prioridade e dominação.

Um comentário:

  1. Polyanas,

    Parabéns pelo blog e pelas ideias aqui contidas. É bom perceber que, no mundo, também se produz resistências à mediocridade e à mesmice. E construamos o nosso projeto com arte engajada! Abraços.

    Lorene e Walber

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