segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Utopia em Movimento


“De todos os assuntos de que participamos com maior ou menor interesse, a busca às cegas de uma nova maneira de viver é a única questão que continua sendo apaixonante.”
Guy Debord


A apreensão do conceito de realidade parte de seu entendimento como propriedade do existente. Seja perceptível, acessível ou considerada mera ilusão, tudo o que existe é real e verdadeiro em si mesmo; embora, muitas vezes a realidade não passe de palavras. A questão que persiste é a análise da realidade como uma verdade constante ou como um fluxo em permanente mutação.

A partir da relativização do espaço com respeito ao ponto de vista do observador, a idéia de espaço e tempo absolutos é questionada, permitindo supor o entendimento da realidade como algo mais flexível, ou seja, fatos são verdadeiros a partir de uma construção sistêmica do mundo, dentro de um sistema diferente as análises poderiam ser diferentes. Dessa forma, a realidade não é absoluta, nem universal.

Existem diferentes percepções da realidade que se baseiam em um sistema analítico complexo por sua subjetividade, dessa forma aguçar a percepção pode se tornar um meio de potencializar uma transformação efetiva da realidade. Cabe descobrir formas de colocar as percepções em movimento.

O movimento transforma a possibilidade em ato, modifica uma natureza, muda a perspectiva. Assim, o deslocamento no espaço marca o tempo, sendo por este compassado e dessa forma gera momentos, situações e novamente outros movimentos. Novas referências se constituem, algo pequeno se torna enorme dependendo do ponto de observação e de seu referencial.

É perceptível, contudo, como outra experiência física – a velocidade, conjugada ao movimento tem induzido à passividade. A aceleração do movimento diminui o tempo dos deslocamentos permitindo ao indivíduo percorrer áreas mais extensas, mas com conseqüências graves: os lugares se tornam espaços de passagem, com os quais não há vinculação, reforçando a desconexão física dos indivíduos com os espaços que vivenciam. Assim, o ambiente urbano contemporâneo é construído dentro de paradigmas que potencializam a passividade, a monotonia e o cerceamento tátil, o que só contribui para a sua estaticidade.

A experiência física da velocidade modifica a natureza do movimento, tornando-o autônomo, contudo, este se estimulado pode manter sua capacidade transformadora. Um dos elementos que tem potencial dinamizador é ainda a Utopia, pois se configura como uma possibilidade, ou seja, é possível quando ultrapassados os obstáculos objetivos, porém provisórios, que interferem na sua concretização. Assim, a Utopia tem a capacidade de se materializar através da ação transformadora dos homens.

Se a possibilidade se transforma em ato através do movimento, uma atitude crítica frente à realidade e uma exploração das possibilidades podem movimentar a sociedade para a construção utópica. Thomas More em sua ‘A Utopia’ não descreve um mundo fantástico baseado em leis irreais ou inacessíveis, pois dessa forma apesar de construir um argumento crítico à sociedade de sua época não estaria oferecendo possibilidades alternativas para a construção de uma realidade diferente da que criticava.

Sua crítica se baseia na transformação social assentada em critérios racionais para alcançar a desejada sociedade livre constituída por homens livres, o que é absolutamente possível em qualquer época e sociedade. Na sociedade pensada por More, os efeitos degradantes do trabalho socialmente necessário são repartidos por todos os membros da sociedade de maneira equitativa, assim como os bens sociais, o que não permite a instalação de uma classe oprimida.

Dois aspectos dessa sociedade utópica geram espacial interesse por sua analogia com os aspectos emergentes da sociedade atual. O primeiro surge como um postulado óbvio: não permitir a compra irrestrita da terra como forma de minimizar a especulação e o monopólio, assim haveria um limite determinado de solo, além do qual ninguém poderia possuir. Em seguida More avança apresentando o segundo postulado, segundo o qual a distribuição justa das riquezas entre os indivíduos é impossível sem a extinção do conceito de propriedade.

Passados cinco séculos, sendo os dois últimos baseados em discursos progressistas e na modernização, a questão não podia ser mais pertinente. A conformação da vida cotidiana se conecta diretamente à relação entre espaço e poder, tornando claro como a arquitetura e o urbanismo tem a capacidade de reproduzir uma ordem social, legitimando-se através da neutralidade técnica.

A análise da realidade exige a mudança de paradigmas da arquitetura. Sérgio Ferro contribui nesse sentido, ao afirmar que diante da percepção que a uma parcela significativa, senão majoritária da população, o acesso à terra e à habitação é negado, os arquitetos devem estabelecer uma nova postura em relação a sua prática profissional e à cidade.

O Estatuto da Cidade regulamenta o capítulo original aprovado pela Constituição de 1988 que instaura o conceito de função social da propriedade, ou seja, o direito de propriedade imobiliária urbana é assegurado desde que cumprida sua função social, o que a princípio equilibraria os interesses individuais e coletivos. Apesar do avanço, é observável que a organização material das cidades continua atrelada, sobretudo à valorização do capital. Isso no contexto da mudança dos paradigmas da gestão urbana, do tradicional gerenciamento para o que Harvey chama de empresariamento, que em última análise preconiza a competição entre as cidades, baseada principalmente na sua “espetacularização”.

A arquitetura e o urbanismo desprovidos de coerência técnica ou artística se tornam elementos de legitimação da ideologia vigente, que entre outras coisas procura explicar a emergente crise urbana como falta de planejamento, o que de forma alguma explica a complexidade da conjuntura atual.

A necessidade de formas alternativas de produção do espaço remete à “poética da economia” que o grupo ‘Arquitetura Nova’ praticou durante a década de 1960. A partir da discussão sobre o papel social do arquiteto, as relações de produção dentro do canteiro de obras e as técnicas construtivas tradicionais, empreenderam em experiências construtivas cuja simplicidade teria o potencial de aumentar a produtividade e o acesso à arquitetura.

Para o ‘Arquitetura Nova’ a dimensão estética está vinculada aos efeitos que uma técnica pode inferir aos indivíduos, ou seja, está atrelada à necessidade objetiva que a impulsiona. Surge assim uma nova linguagem baseada na eliminação de todo supérfluo, uma arquitetura do absolutamente indispensável, que dessa forma, se torna também indispensável.

Nesse contexto, a produção da arquitetura passa a exigir simultaneidade em detrimento da sucessão de processos isolados, a partir da fluidez, a arquitetura se torna um processo integral, cujo interesse não se resume ao objeto final construído, mas a um processo de coletivo de produção.

A arquitetura, portanto, não deve ser concebida como um projeto cuja função é simplesmente ligar um conjunto de espaços estáticos, mas como um organismo em movimento composto por múltiplas interações que demandam de desejos e aspirações. Assim, a arquitetura é gerada através do movimento e nunca se torna estática, uma vez que sustenta o fluir das pessoas, deriva do mundo das idéias aplicada ao mundo material, portanto, movimentar-se na arquitetura pode fazer com que a arquitetura se movimente dentro de referenciais diferentes dos preconizados.

Novas formas de apropriação do espaço devem ser concebidas, ou velhas formas assimiladas. Possibilidades de mobilidade na arquitetura já existem, seja através do nomadismo tradicional das Yurt, uma tenda redonda de origem mongol, um povo nômade, mas que hoje tem sido muito utilizada como habitação rural na Europa pela economia que sua construção propicia; ou do nomadismo utópico do país que More vislumbra, onde seus habitantes fazem partilhas periódicas dos espaços que habitam, trocando de casa a cada dez anos como forma de abolir a idéia de propriedade individual e absoluta. Enfim, seja casa, tenda ou circo, seja fixa ou itinerante, a arquitetura se movimenta se a sociedade se permite o movimento. E apesar da palavra “utopia” significar em grego “em lugar nenhum”, ela é real, cabe agora espacializá-la.


“um mapa do mundo em que não aparece o país Utopia não merece ser guardado”
Oscar Wilde


sábado, 6 de novembro de 2010

Trabalho desalienado e arquitetura livre

A produção do espaço e da arquitetura tal qual uma mercadoria qualquer tem levado à constituição de um espaço urbano e um cenário arquitetônico altamente excludente. A divisão urbana do trabalho segrega o território beneficiando somente os espaços atraentes ao capital imobiliário. O arquiteto, alienado do processo de produção e utilização da arquitetura, materializa essa segregação através de suas obras de impacto, ou melhor, seus desenhos de impacto, uma vez que apesar de receber os louros da obra, não participa efetivamente do processo de produção. O projeto arquitetônico se fortifica enquanto ordem se serviço aos trabalhadores da construção, que por sua vez, estão totalmente alienados do processo de criação.





“Se o orguiôso podesse
Com seu rancô desmedido,
Tarvez até já tivesse
Este vento repartido,
Ficando com a viração
Dando ao pobre o furacão;
Pois sei que ele tem vontade
E acha mesmo que percisa
Gozá de frescô da brisa,
Dando ao pobre a tempestade.”
_Patativa do Assaré_




A problemática

(...) Desde a pré-história, a arquitetura está presente com os edifícios, enquanto outras formas de arte surgiram e desapareceram. Assim, segundo Walter Benjamin, a história da arquitetura – iniciada com a arquitetura do abrigo e fundamentada na necessidade e na oferta da natureza – seria a mais extensa dentre as histórias das demais obras de arte.
     Contudo, além de extensa, a história da arquitetura é repleta de antagonismos. Comecemos pela diferenciação entre origens da arquitetura e do arquiteto. Ou melhor, pelas suas definições.
     A origem do arquiteto, tal como conhecemos hoje, remete a um elemento importante: o projeto arquitetônico. O desenho (projeto) é uma separação entre a representação e realidade. Este atua como uma abstração, aumentando a capacidade imaginativa do artista que não se prende mais às possibilidades da realidade.
     É nesse contexto de “separação” que o desenho penetra nas relações de produção, uma vez que a atividade de abstração não mais se conjuga com a de produção. Desenvolve-se assim uma cisão entre trabalho intelectual e trabalho material; o primeiro, responsável pela concepção baseada na “contribuição inteligente”, e o segundo responsável pela execução, atuando como um mero instrumento dentro de uma relação mecânica.
     Eis a grande contradição da arquitetura, ou melhor, do projeto arquitetônico. Uma divisão do trabalho que opõe aquele que concebe àquele que executa. Uma divisão sem a qual o trabalho do arquiteto não existiria, pois não existe arquitetura real sem manipulação da matéria; divisão que pressupõe a existência de um instrumento, ou melhor, de um homem fetichizado ao qual recai a função de executar a arquitetura tal como ela foi predeterminada.








“Subiu a construção como 
se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro 
paredes sólidas
Tijolo com tijolo num 
desenho mágico
Seus olhos embotados de 
cimento e lágrima”
_Chico Buarque_



     As Escapatórias

     Diante das relações de produção capitalistas aplicadas ao espaço urbano, as respostas aos problemas sociais, calcados na segregação e exclusão da maioria da população, não residem, de fato, nos planos e planejadores urbanos. Estas se enquadram na escala do modelo político-econômico dominante.
     Assim, apesar de ser possível alcançar mudanças a partir da administração do capitalismo, tais mudanças não mudarão a essência dos problemas que são de ordem estrutural.
     Porém, apesar da necessidade da atuação política dos indivíduos para que ocorra uma mudança na forma de organização da sociedade, para que esta seja autônoma, livre da exploração e da opressão, esse texto objetiva vislumbrar uma diferente inserção profissional no sentido de minimizar os impactos da dominação capitalista sob o espaço e sob a arquitetura.
     Assim, as experiências de desalienação da atuação profissional do arquiteto e urbanista são defendidas aqui não como uma escapatória aos problemas estruturais que o capitalismo impõe à sociedade, mas como disseminadoras de questionamentos que promovem, mesmo que de forma limitada, a alteração da consciência reflexiva que temos de nossas próprias práticas.
     Eis a conclusão. Lançar as bases para um novo arquiteto, consciente das relações de produção opressoras atualmente estabelecidas, comprometido com a emancipação profissional irrestrita à lógica capitalista de produção, comprometido com uma criação integrada que agregue projeto, construção uso e gestão, articulados horizontalmente sem relações hierárquicas de prioridade e dominação.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A Guerra não é Espacial...mas se desdobra no ESPAÇO



Atualmente observamos de maneira cada vez mais acentuada uma planificação de gostos, tendências e desejos, esse processo atinge a ARQUITETURA, tanto como produto visual que representa certas tendências, quanto como profissão exercida por diferentes sujeitos com distintas funções ao longo da cadeia produtiva (expressão muito apropriada).

Como efeito de diversas causas o que se nota é a um desinteresse à particularidade, principalmente à espacial, que passa a se focar e se materializar apenas como FIGURAS UNIVERSAIS, que falam em nome de uma suposta verdade geral e multiculturalista, que nas entrelinhas nada mais é do que a espetacularização das formas e dos significados. 

Até pouco tempo sob o bastião da arquitetura moderna, podíamos nos convalescer das doenças mentais que nos afligiam: o autismo arquitetônico e a esquizofrenia urbana, através de belos discursos humanistas e intenções desenvolvimentistas que não resolviam no plano real as agruras sociais que afligiam a nossa mente (arquitetos/urbanistas) e barriga de outros milhões; mas agora... 

Vestimos a capa do CINISMO e dizemos a quem quiser ouvir: e daí? Fazemos sim, megaestruturas não-funcionais ao custo de milhões, baseamos sim nossa novíssimas estética à nova tecnologia que nos permite modelar no computador coisas antes impensáveis e automatizamos nossa produção, assim já não pensamos nos espaço, pensamos agora na PRODUÇÃO.

Esta cada dia mais especializada reafirma diariamente a divisão social do trabalho, sendo o trabalho braçal sempre o preterido, o marginalizado, enquanto o labor pensante recebe cada dia mais status e é mais mistificado. Dentro desse contexto, devemos dizer que arquitetura não é DESENHO, pelo menos não em sua integridade, ou pelo não devia ser.

Arquitetura é a intervenção LIVRE no espaço que com intuito de gerar conhecimento e sem o cerceamento de idéias possa se considerar novamente uma forma de expressão artística. Não sabemos que tipo de estética isso acarretaria, mas com certeza seria mais verdadeira do que a que o mercado com seus milhares tipos de revestimento idênticos, no impõe.

Dizemos impor porque a partir do momento em que certas tendências são expostas na televisão cotidianamente e defendidas como a mais legítima arquitetura essa idéia esta sendo vendida, e o pior está sendo comprada. O pior horror da profissão pode ser visto na televisão, quando ditos arquitetos fazem uma arquitetura sem clientes e baseada na reprodução de objetos elitizados, sob o disfarce de sustentabilidade e do trabalho social.


Assim o que observamos é a elitização da profissão, que passa a funcionar como uma forma de identificação da nossa sociedade com os valores de outras culturas, com outros climas, outras condições climáticas, outras condições sócio-econômicas. O resultado da arquitetura como artigo de luxo é a dispersão da profissão e dos profissionais que já encontram coerência na prática cotidiana da arquitetura, dentro das contradições inerentes a esse sistema, que são reafirmadas nesse contexto, uma vez que as necessidades reais são ignoradas a favor das novas necessidades construídas, que são atendidas através de fórmulas pré-estabelecidas e inertes, assim como insípidas e inodoras (não sabia que a arquitetura podia despertar tantos sentidos? Deve poder!).


Defendemos, portanto uma arquitetura mais CRÍTICA ou pelo menos mais pensante, menos pronta, mais maleável, pois apesar de nossos problemas serem de ordem econômica, política e social, eles se desdobram no espaço, portanto é justo pensar, que uma arquitetura mais justa e flexível pode contribuir, no sentido, de gerar um campo de BATALHA, para a luta principal.


Dessa forma acreditamos que é necessário associar a crítica à prática, de forma que ela conduza a uma prática modificadora e que não na mera verborragia teórica.





PENSAR sobre...


novas POSSIBILIDADES formais e expressivas

reformar a maneira de se viver junto...misturar o DENTRO e o FORA...criar espaços, abrir espaço, tirar pedaços...

buscar o diferente, uma ALTERNATIVA...através de uma construção coletiva...

Ampliar o acesso a arquitetura e à arte de forma experimental, em uma proposta na qual todos os espaços são pensados sem hierarquias e permitindo a interação das pessoas que vão vivenciá-los, não acreditamos em arquitetura sem pessoas, por isso não jogamos nossos clientes pela janela, acreditamos na interação contínua, na construção diária de um cotidiano menos opressor e mais inventivo.



proposta/movimento de intervenção nos espaços baseada na ampliação do acesso à arte/arquitetura. Conceito fundamentado na articulação de técnicas e materiais alternativos,reaproveitamento, reciclagem, interatividade e participação conjunta na transformação dos ambientes.


Esta apresentação não pretende mais que uma colocação de problemas e dúvidas...